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Alfabetização: apropriação do sistema de escrita alfabética.

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RESENHA (Por Rosana Olivares de Albuquerque)

Alfabetização: apropriação do sistema de escrita alfabética.

Organizadores: Artur Gomes de Morais, Eliana Borges Correia de Albuquerque e Telma Ferraz Leal.

Ano: 2005

Editora Autêntica

Lançamento: MEC e CEEL/UFPE

168 páginas

Objetivo: Contribuir para a ampliação do debate sobre a alfabetização; teorizar sobre a prática dos professores alfabetizadores.

Trata-se de uma produção coletiva que resultou da experiência de diferentes educadores e pesquisadores preocupados com a formação de professores e os descaminhos da alfabetização no nosso país nas últimas décadas.

Reúne em 8 capítulos alguns conhecimentos produzidos pelas pesquisas relativas a Apropriação do Sistema de Notação Alfabética. Fornece aos professores alfabetizadores subsídios para melhor compreensão das concepções, conceitos, procedimentos, atividades e atitudes que subjazem ao seu fazer pedagógico.

No primeiro capítulo, Andréa Galvão e Telma Ferraz Leal propõem e conduzem a discussão com base nas considerações da Magda Soares, que defende a alfabetização através de uma ação sistemática e ressalta a importância do domínio, por parte do professor, das formas de construção do conhecimento e de um repertório necessários para o acompanhamento de seus sujeitos de forma que perceba e atenda as necessidades educacionais de cada um. Urge ainda a necessidade de elaboração de estratégias ordenadas e sistematizadas para o ensino e a aprendizagem do sistema de notação alfabético, já que esse é um objeto de conhecimento que tem suas especificidades, não de forma isolada, mas paralelamente ao processo de letramento.

Soares ressalta ainda que, devido à grande crítica aos métodos de alfabetização (estruturados com base nos paradigmas antigos que valorizam a linearidade, a fragmentação, a hierarquização), a mesma foi “desconstruída” a partir da substituição (em vez da complementação) da sistemática específica pelo contato com material de leitura e escrita.

As autoras convidam os professores para uma reflexão, um diálogo sobre a utilização ou não de um método de alfabetização e a escolha do melhor caminho em direção aos conhecimentos da leitura e da escrita, ressaltando que estes têm que ser conhecidos em suas possibilidades e limites, têm que ser ajustados de acordo com as novas demandas da sociedade contemporânea, trazidas à tona principalmente pelas produções das pesquisas acadêmicas mais recentes.

A contribuição dos estudos da psicogênese da língua escrita, encabeçados por Emília Ferreiro e Teberosky não trazem soluções para os problemas enfrentados, mas trazem novos desafios para os caminhos e descaminhos da alfabetização, que não tem alcançado níveis aceitáveis nas diversas avaliações.

Numa perspectiva de alfabetização sistemática que contemple as especificidades técnicas, a interface com a prática social da leitura e da escrita traz o desafio, a necessidade de reflexão sobre a língua, que leva o sujeito a transformar informações em conhecimento próprio, o que é necessário para a apropriação da linguagem escrita.

Sem o uso da cartilha, é possível e necessário organizar situações de leitura e escrita em que se possa transitar por diversos gêneros, promovendo a socialização, o diálogo, a interação e a compreensão de seus usos, situações necessárias para que os sujeitos assumam os papéis de leitores e escritores.

Para responder a pergunta “É possível alfabetizar sem método?”, as autoras recorrem a Batista et al (2003), que nos propõe um olhar abrangente sobre a alfabetização, na amplitude do seu contexto: a escola, as redes, a sociedade, e destaca o papel do docente que deverá ter bastante sensibilidade “para agir como intérprete das necessidades dos alunos (particularmente daqueles que apresentam dificuldades de aprendizagem).” Para tal, o docente precisa de uma formação adequada e a escola deverá ser reorganizada, principalmente em relação ao tempo.

Numa perspectiva histórica, as autoras fazem uma breve revisão da literatura sobre os métodos de alfabetização mais utilizados na educação brasileira em determinados momentos, dividindo-os em três grandes grupos (cada um com suas variações e dinamismos por serem abrangentes): os métodos sintéticos, os analíticos e os analítico-sintéticos.

Entende-se, aqui, que o método de alfabetização compreende o caminho (entendido como direção e significado) e um conjunto de procedimentos sistemáticos que possibilitam o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita e acredita-se, deverá ser construído para substituir os métodos “tradicionais”.

No segundo capítulo, Artur Gomes de Morais problematiza as implicações do sistema notacional da escrita alfabética para a alfabetização.

Há muito tempo se trata do sistema alfabético e dos processos de alfabetização através dos termos códigos e codificações, o que demanda uma discussão proposta pelo autor: “alfabetizar não é só saber codificar e decodificar, mas articular um mínimo de conhecimentos letrados para a formação de sujeitos alfabetizados, que se apropriam dos aspectos distintos da linguagem (significados, sequências sonoras que constituem as palavras) e da escrita alfabética (sequências sonoras, significantes orais).

A escrita alfabética deve ser considerada, em sua complexidade, como um objeto de conhecimento em si, na perspectiva de alfabetizar letrando. Para dominar um sistema notacional, como a escrita alfabética, o indivíduo precisa desenvolver representações sobre como ele funciona, sobre suas propriedades. As notações representam conceitos que formulamos em nossas mentes (significados) e as palavras ou suas partes (significantes).

É importante uma revisão histórica para relembrar os professores que a humanidade demorou milênios para construir um sistema complexo, o alfabeto, e as crianças têm muito a descobrir nesta aprendizagem. Para aprender o Sistema de Escrita Alfabética (SEA), o sujeito tem que reelaborar, em sua mente, uma série de decisões que a humanidade tomou, ao criar esse tipo de notação.

Enquanto estão copiando e memorizando os traçados das palavras ou sílabas que lhes são apresentadas, os alunos vão realizando, solitariamente, todo um trabalho cognitivo, interno, de resolução de um enigma: desvendar como a escrita alfabética funciona. Mas isso não se dá de uma hora para outra, é fruto de uma trajetória de busca da compreensão das propriedades do sistema notacional em sua complexidade, rico em detalhes e que não envolve somente a memorização, mas questões conceituais.

Conversando sobre a psicogênese da língua escrita é importante saber que se trata de uma teoria psicológica sobre a apropriação da escrita alfabética. Esta apropriação se dá em níveis de aquisição que exigem novos parâmetros de avaliação. Mas as atividades de leitura e criação de textos não são suficientes para que os alunos atinjam a hipótese alfabética. É necessário o conhecimento dos princípios deste sistema, trabalhados sistematicamente através da composição, decomposição e recomposição de palavras e análise fonológica, explorando as características linguísticas de alguns gêneros. Outro fator importante a ser considerando é a heterogeneidade do grupo, o que demanda preparação de atividades diversificadas para atender aos alunos que apresentam diferentes hipóteses de escrita.

Durante muito tempo a psicogênese da língua escrita tornou-se em nosso país a principal referência nos estudos dos processos de constução das hipóteses a respeito da escrita alfabética, enquanto pouca ênfase se deu sobre o papel das habilidades de reflexão fonológica no aprendizado da leitura e da escrita, que é considerado por Artur G de Moraes e Tânia M. R.Leite como essenciais para um sujeito tornar-se alfabetizado. Além de assumir vários pressupostos defendidos pela teoria da psicogênese da escrita, ressaltam que o SEA não é um código, mas uma invenção cultural e a escola deve ajudar o aluno a descobrir suas propriedades promovendo, sistematicamente, as habilidades de reflexão fonológica, abordando as palavras como objetos sobre os quais podemos refletir (inclusive sobre a dimensão sonora) e representá-las conscientemente. O que também recebe o nome de “consciência fonológica” constitui, de fato, uma “constelação de habilidades” com níveis de complexidade variados e atua como um “facilitador” da aprendizagem da leitura e da escrita, portanto não é condição suficiente para o domínio da escrita alfabética, mas é uma “condição necessária”.

Os autores sugerem aos alfabetizadores, a incorporação das evidências dos estudos sobre consciência fonológica para ampliar pontos de vista da teoria da psicogênese da escrita.

No quinto capítulo Telma Ferraz Leal reafirma que os conhecimentos construídos pelos alfabetizandos anteriormente ao ingresso na escola são diversos e exercem muita influência sobre o processo de alfabetização na escolha dos caminhos percorridos neste processo de aprendizagem.

Centrando a reflexão nas intervenções didáticas, a ênfase é dada à necessidade de desenvolvimento de habilidades, pelo professor, de identificar as necessidades de cada aluno e atuar com todos ao mesmo tempo. O olhar sensível do professor identifica as demandas individuais que determinam as escolhas na organização de estratégias didáticas diversificadas. Estas atividades devem ser colaborativas e individuais, dependendo do que os alunos já sabem, dos conflitos que estão sendo vivenciados e da mediação do professor. Nas atividades os alunos podem se beneficiar da diversidade, compartilhando diferentes conhecimentos e estratégiasque enriquecem a aprendizagem e promovem uma formação integral do ser humano. Já nas atividades indiviuduais o aluno aprende a refletir obre as vivências coletivas e toma consciência dos seus conflitos. Através da reflexão e sistematização dos próprios saberes, poderá experimentar e escolher ações articulando-as com seus conhecimentos para resolver problemas no processo de apropriação do sistema de escrita.

No sexto capítulo, o jogo é trazido por Telma Ferraz Leal, Eliana Borges Albuquerque e Tânia Rios como um poderoso recurso auxiliar no processo de alfabetização. Neste trabalho,o jogo é assumido como prática cultural dotada de historicidade e múltiplas significações que, de forma lúdica, simula situações de engajamento social num tempo e espaço determinados, com características próprias delimitadas pelas regras de participação na situação imaginária. Em todo processo educativo é fundamental a mediação do professor, que deve ser estendida através de outras situações além do jogo para sistematização dos saberes potenciais por ele trazidos, no processo de transformação em conhecimentos. Para tanto, é necessário um planejamento baseado no diagnóstico das hipóteses de cada aluno, com objetivos bem definidos em busca do equilíbrio entre as funções lúdica e educativa.

 

Na perspectiva de alfabetizar letrando, o processo de alfabetização tem que ser contemplado em sua complexidade, considerando suas especificidades e com muita sensibilidade e competência para detectar as demandas educacionais de cada aluno, principalmente daqueles que ainda não leem e não escrevem com autonomia.

A questão da administração do tempo da aula é muito importante. A distribuição deve contemplar atividades de leitura, atividades de reflexão sobre o sistema de notação escrita, produção de textos orais e escritos de diversos gêneros, considerando os diferentes níveis de conhecimentos dos alunos para que adquiram competências de compreensão da tecnologia da leitura e da escrita e façam usos das práticas sociais de leitura e escrita em seus diferentes contextos.

Para encerrar, Roseane Pereira da Silva conduz a discussão que gira em torno da reflexão sobre o uso ou não do livro didático para alfabetização. Após uma revisão histórica sobre a utilização nas escolas públicas brasileiras e o reconhecimento das mudanças ocorridas nos atuais livros de alfabetização, professores dialogam sobre como estes podem ser utilizados na sala de aula, destacando a riqueza do repertório textual e discutindo a relação com as necessidades dos seus alunos. Assim sendo, eles têm sido utilizados como suporte, de onde têm sido extraídos alguns textos e atividades para sistematizar o ensino do SEA, além de algumas adequações aos seus objetivos e às necessidades de aprendizagem dos seus alunos.

 

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